domingo, 13 de outubro de 2013

Memórias da Ribeira

Vivi a infância e a adolescência na Ribeira
e sempre que circulo no bairro 
observo cada pedacinho dele,
o que mudou e o que continua quase igual,
me vejo dobrar esquinas, 
ir à missa na Igreja do Rosário,
para rezar e arranjar paquerinhas,
comprar acarajé e abará em Joana,
fugir com a bike de minha madrinha
para pedalar entre os carros
em dia movimentado na Avenida Beira Mar,
tomar sorvetes de castanha e amendoim
na famosa Sorveteria da Ribeira ou
andar no Porto dos Tainheiros
por causa da vista que até hoje me encanta,
respirar aquele ar pacato de interior...
Catar papa-fumo na beira da praia, se a maré estivesse baixa,
para fazer uma moquequinha depois em casa...
Hoje vi que as pessoas ainda colocam cadeiras
nas portas de casa para ver gente passando
e lembrei da cadeira de madeira e lona listrada de minha avó,
da barraquinha de tico-tico, da goiabeira branca
onde eu subia até o olho para espionar a casa vizinha
e de onde eu me esgueirava por um galho
até o telhado da lavanderia de nossa casa,
onde eu ficava, horas e horas,
pensando em nada e na vida,
comendo goiabas até me empanturrar,
lendo a coleção de contos clássicos,
presente de meu padrinho,
ou escrevendo poemas e cartas a meu pai.
Havia ainda o balanço com cordas da feira de S. Joaquim,
finas demais, que após algumas chuvas logo apodreciam,
os cachorros, que nasciam e morriam sem parar, naquela casa,
os batizados e funerais deles, a marcação de todas as covas,
de Peteleca, Swatt, Duque, Lady e outros de que nem me lembro...
As baterias de lata improvisadas por mim e minha irmã,
os "planos" do dia traçados atrás do sofá, como trocar sal por açúcar
nos potes da cozinha, para fazer minha avó fazer almoço doce,
ou apimentar o pão de Rosa Malagueta, moça que trabalhou
na casa de meus avós e sempre me capturava pra minha avó me
dar cinturadas por debaixo da mesa com o cobro velho de meu avô...
A mania de ser "a sombra" de minha avó na cozinha,
o que me fez aprender a gostar de cozinhar...
As armações de Marizete com minha avó,
do tipo jogar pedras no corredor enorme da casa,
que hoje percebo pequeno demais,
para dizer que os espíritos do mal
estavam mandando eu e minha irmã ficarmos quietas...
A novela "Pai Herói", que virou personagem inventado por Marizete,
deixando de vez em quando sabonetes Pompom ou Mônica debaixo de minha cama, se eu me comportasse bem...
As histórias de assombração, onça cabocla, espíritos que habitavam
fechaduras, aparições de crianças dando aú, de coxos
e outros que a criatividade permitisse existir...
A turma do São José, o tobogã, o cachorro quente da cantina,
os meninos bonitinhos do Militar que iam pra porta de nossa escola
na hora da saída para nos paquerar e nós a eles...
E a repressão da escola: não pode vir maquiada,
só pode tênis azul marinho ou preto, e como resposta eu exagerava
um cortezinho de nada só para calçar hawaiana em um dos pés...
E a época do grupo de jovens da igreja da Boa Viagem?
Achava o coordenador um gato e por ele ia para as reuniões,
mas era seminarista...
nem sacava meus suspiros ou apenas os ignorava!
Tanta gente bonitinha circulando,
antes e depois da missa do domingo à noite,
um evento, até cantava no coral da missa naquela época...
E as lavagens do Bonfim?
Todo ano minha tia Fátima nos levava para a casa de Zezé,
pertinho da igreja, e ficávamos a tardinha e a noite circulando no largo, 

assistindo as bandinhas tocando no coreto...
As novenas de Santo Antonio, todos os anos, na casa de dona Didi,
minha tia sempre ganhava a imagem do santo,
mas nunca se casou (infelizmente)!
No 13o. dia, festança com comes e bebes intermináveis...
Vi hoje muitas crianças na rua, nos largos, parques,
revisitando sentimentos que moram em mim, no tempo da Ribeira.


Por Nisia Alejandra Rizzo de Azevedo

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